domingo, 6 de fevereiro de 2011

A PROCISSÃO














Soa inefável
profecia
um credo
recitada oração
alma prostituta
medita a maldição
ingênua aparência
proclamada pureza
no passar da procissão

Espiritual banalidade
professa o sacrifício
sentimento virgem
distraído pecado
indiscreta janela
olhares sequiosos
vozerio em reza
odor de incenso
disfarçada confusão

Burburinho em ladainha
esconde
o murmúrio das senhôras
diante da janela
emoldurada tela
plástica profusão
boca rubra
negros olhos
beleza escancarada
Ave Maria ecoa
inclementes sentinelas

Ansioso instante
congelada emoção
fugaz tortura
intensa mesura
ele-e-outra (a esposa)
impassível semblante
ela-e-outro (mulher casada)
olhos sorriem
condenada imagem
bocas tremem
imperceptíveis
diante da janela

Passa, procissão!

Igreja à vista
passos lentos
sinos selam
intranquila paixão
coração em fuga
aparente calma
sábado nas ruas
brilhantes sapatos
vestido de festa
de braços dados
a esposa ao lado

Na rua principal
segue procissão
o andor de santo
deixa à distância
janela infame
indisfarçada presença
consentida normalidade
rosto de esposa
a raiva enrubesce
pálpebras tremem
velada apreensão

Ao som da banda
reage a carne
de mulher  traída
olhos
nas pedras da rua
pedido em prece
a mão crispada
o terço aperta
o vento sopra
condena a vela
entorna a cera
queima e arde a pele
sofrimento em chama
irônica súplica
ao santo negro
na esquina do preconceito

Sofrida mortalha
alinhado terno de marido
cúmplice esconde
no calor do colete
o relógio de bolso
insuspeita testemunha
no ardor de encontros
esperados
na dor de saudades
sufocadas
no sabor do desejo
irracional
na loucura do amor
sem cura

Amém
canta a ladainha
das senhôras de bem
que batem no peito
ajoelham e prometem
cumprem promessas
jejuam
julgam e condenam
filhas de Maria

Entorpecido homem
lança à janela
um último olhar
beleza inatingível
a mulher amada
afronta social
carnudos lábios
olhos vivos
negros cabelos
filha de Iemanjá

Imagem:
A Procissão de São Benedito
Darcy Penteado
óleo sobre tela
120 x 80
1984

2 comentários:

  1. Gostei do poema, é a realidade de todas as procissões e em qualquer lado!!!

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  2. Não sei se de todas, Teresa, mas dessa minha cidade nas cenas de um amor proibido, sim...rs

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